Covilhã é uma terra serrana que respira o ar puro da montanha e vai beber em todas as suas fontes. Domesticou as suas águas para dar força às fábricas, para lavar as lãs que tosquiou do gado e os panos que orgulhosamente teceu. Na cidade, tocam as sirenes da indústria, no campo as flautas dos pastores.
A cidade tornou-se fiandeira, alegre e contente, mas é da Serra da Estrela que brotou toda a riqueza. Entre as agruras, ora do sol, ora da neve, a montanha sempre foi lugar de gente dura que mostrou o peito à natureza e não se intimidou. Calcorreou vales, trepou granito, transpirou, tremeu de frio, fustigou o corpo com uma vida agreste, mas sempre soube tirar da montanha o que de melhor ela tinha.
A Covilhã é uma filha da Serra da Estrela. Dela se alimentou, à sombra dela cresceu e se fez famosa. E a Serra, num instinto maternal, nunca lhe faltou com nada. Deu-lhe a essência da indústria têxtil, a paisagem de um mundo belo, a neve como um véu de beleza, o queijo como um cartão-de-visita. Deu-lhe tudo.
A Cidade permanece calma no sopé da montanha. Abre os braços para o vale, outrora resguardado para a agricultura e, rasgando o estigma da interioridade, traça novos caminhos rumo ao futuro.
Com o tempo, vão ficando abafados os sons das sirenes. Um povo operário cresceu para a modernidade e o som da lançadeira nos teares já não marca o compasso da cidade, como se fosse o bater rítmico de um coração de lã.
A cidade permanece calma no sopé da montanha. Abre os braços para o vale e parece querer um novo caminho. Covilhã, se hoje é senhora, não renega o seu passado de pastora, não esquece que a roca foi a sua vaidade e que no tear, com orgulho, cruzou os fios do seu destino.
Aqui se juntam os tempos idos e os que estão para vir. A vaga memória de um tempo já vivido, a vaga penumbra do que falta percorrer. Arrancadas à terra descobrem-se as raízes de um passado ancestral, em que por vezes, nos parece ouvir a pena do Marquês de Pombal a riscar planos para o futuro. Nesta que foi, outrora, a Real Fábrica dos Panos, se descobrem agora, usos e costumes de um mester que nos orgulha, e fica com mais cor o quadro com que se pinta a história da nossa gente.
Por aqui se diz que, com os fios do passado se tece o futuro. E neste tear do ensino que é a universidade, se tece a laboriosa teia de preparar os homens dos tempos que estão por vir.
Covilhã foi fiandeira. É talvez, hoje engenheira, mas continua a cheirar a lã. Soube tecer pano fino, melhorar a seu destino e, no orgulho da beirã, transformou-se em terra moderna, o que foi simples cova da lã.
Podem chamar-lhe Cidade Neve ou Capital da lã. Mas o seu nome próprio é Covilhã. Afirma-se no ensino, na saúde, abre as velas aos novos ventos. Muda o seu rosto, transforma-se. Veste novas roupagens e um perfume de quem se sente jovem e se prepara para mudar de vida. Passo a passo, constrói novos horizontes – que outros nomes estarão para vir?
JOÃO MORGADO: Este escritor covilhanense tem já no seu currículo o Prémio Nacional de Literatura LIONS; o Prémio da Fundação Dr. Luís Rainha nas Correntes d’Escritas; o Prémio Alçada Baptista e o Prémio Vergílio Ferreira. Não se descreve o autor de Vera Cruz, Diário dos Imperfeitos e Diário dos Infiéis apenas como romancista. É também um reconhecido autor de poesia e contos.
Para descobrir a Covilhã: http://www.yup.pt/turismo-rural/pt-pt/percursos/descobrir-covilha-percurso-urbano